sábado, 9 de outubro de 2010

O Que Está Por Traz Do Verde: Reflexões Sobre a Candidatura de Marina Silva


No segundo semestre do ano passado a senadora Marina Silva (PT-AC) desfiliou-se do PT, ao qual esteve vinculada por 30 anos, e se ligou ao Partido Verde(PV), com a clara intensão de disputar a presidência pela sigla. A movimentação teve impacto num amplo espectro político, que ia do PSDB ao PSOL, atraindo nomes importantes para a idéia de uma candidatura alternativa à polarização entre petistas e tucanos que desde 1994 marca a política brasileira. Passado um ano, em plena reta final para o 1º. Turno das eleições presidenciais, a candidata oscila entre 10 e 14% nas sondagens e, segundo alguns, ameaça levar a disputa para um segundo turno, o que leva seus simpatizantes a falarem, um pouco apressadamente, em uma “onda verde”. Sua candidatura, segundo as pesquisas, extrai seu apoio dos setores localizados nos grandes centros urbanos, de rendas mais altas, maior escolaridade e mais jovens. É justamente essa fração da sociedade brasileira que parece ver em Marina uma “alternativa” ou “terceira via” à “desgastada” disputa PT/PSDB. Contudo, não é muito claro no que consiste tal alternativa. Parece-nos interessante começar examinando o que a própria candidata diz. Com freqüência, Marina afirma buscar a síntese “das conquistas dos últimos 16 anos”. De um lado, o governo FHC teria trazido a estabilidade econômica, de outro, o governo Lula, a inclusão social. Seria, pois, o caso de unir ambas e acrescentar o tema da sustentabilidade ambiental. Como é óbvio, o meio ambiente é o carro-chefe da campanha verde. Segundo a candidata ambos os principais contendores representam um modelo de desenvolvimento do século XX falido, por ser predatório. Ela, em contrapartida, representaria o desenvolvimento “do século XXI”, calcado na tecnologia limpa e no uso de recursos renováveis. Tem-se aí a chave do programa de Marina Silva: conciliação do PT, do PSDB e da sustentabilidade. Quanto ao primeiro ponto, caberia perguntar se a conciliação proposta é possível. Embora seja inegável que petistas e tucanos têm importantes convergências – na política monetária e cambial, por exemplo -, é igualmente inegável que as divergências são grandes. Enquanto o PT tem levado à diante um modelo de desenvolvimento capitalista calcado na expansão do papel interventor e planificador do Estado, no alargamento do mercado interno e numa política externa independente e ativa, os tucanos defendem um modelo liberal, com a diminuição da ação do Estado, centrado no consumo das camadas médias e alinhado com a política exterior dos EUA. As diferenças ficam claras quando olhamos por exemplo a política do governo de estímulo a educação pública , o governo do PT investiu nas universidades federais abrindo vagas para contratação de professores (coisa que não foi feita nos 8 anos do governo FHC) e criou de um piso minimo para professores da rede básica - piso este que a aliança de governadores do PSDB Ieda, Aécio e Serra entrou com recurso contra no STF, alegando não ter verbas para pagar. O governo articulou uma lei por exemplo obrigando 1/3 das merendas escolares serem provenientes de agricultura familiar. No ambito da cultura implantou a política dos pontos de cultura que busca direcionar verbas para as coletividades locais estimulando-as a criar redes horizontais de troca em todo o país.A estrutura social brasileira experimentou uma fase de melhoria entre os anos de 2004 e 2008. Nesse perío do, um número significativo de pessoas trocou a condição de miséria pela de pobreza ou deixou a situação de pobreza para se inserir na baixa classe média.Por isso vemos um governo que encerra seus dois anos de mandato com 80% de aprovação, coisa nunca vista no cenário político nacional. O recurso que Serra promoveu no STF para não pagar o piso mínimo federal para professores da rede básica de ensino não deixa de funcionar como uma boa anedota que delimita as diferenças básicas do PT e do PSDB. A pergunta que fica é quais as condições políticas para que Marina e o PV operem essa síntese? Não parecem muito promissoras, não apenas pelo clima de enfrentamento entre as duas siglas, mas também pela dubiedade do programa da acriana. É difícil saber qual a posição de Marina sobre temas cruciais como o modelo de concessão de petróleo, a política externa, ao papel do BNDES, BB, outras agências estatais etc.. Mesmo na área da educação, a qual a candidata diz ser a única a priorizar, ela não assume posição alguma entre um PSDB que sufocou as universidades federais quase até a morte, e o PT que as revitalizou e expandiu. Fica, desse modo, muito difícil saber em qual sentido caminha a síntese proposta. Volte-se, agora, para o outro pilar da candidatura: o ambientalismo. Aqui, dirão todos, ela é imbatível! Vejamos. É certo que o meio ambiente é um tema crucial em todo o mundo e que é relativamente desprezado tanto por Serra, quanto por Dilma. Além disso, é certo que a questão ambiental toca em um problema muito mais profundo: a crise da civilização capitalista moderna, calcada numa exploração predatória e contínua do homem e da natureza. Se dilemas civilizatórios não ocupam lugar relevante em campanhas eleitorais em lugar algum do mundo de hoje, dever-se-ia, ao menos, esperar uma palavra de Marina sobre o assunto. O que se encontra não vai, todavia, além da retórica oca. No que tange ao agronegócio – nome-fantasia do latifúndio agro-exportador – a candidata sai pela tangente. Segundo ela, desde que tenha um selo de responsabilidade ambiental, há lugar para todos nesse Brasil: da agricultura familiar ao agronegócio. A verdade, entretanto, não parece ser essa. Prova disso, é o ativo papel do lobby ruralista na aprovação do novo código florestal que a mesma candidata se empenha, com razão, em denunciar. Em suma, examinando o discurso da ex-senadora, ela não parece apresentar nenhuma alternativa ideológica concreta, nem às propostas de Dilma e de Serra, nem no delicado tema da relação meio-ambiente e modelos de desenvolvimento. Uma análise política, porém, não deve se restringir aos programas, detendo-se, sobretudo, nas alianças e no xadrez político. Começarei pelos aliados mais próximos de Marina: Fernando Gabeira, candidato do PV ao governo do Rio de Janeiro, Alfredo Sirkis, presidente do partido e Fábio Feldman, candidato ao governo paulista. Ex-guerrilheiros, Gabeira e Sirkis fizeram, uma clara opção pela aliança com o bloco PSDB/DEM/PPS contra Lula e o PT. As três siglas, aliás, estão apoiando a, aparentemente malograda, candidatura de Gabeira ao Palácio das Laranjeiras. Quanto à Feldman, este assumiu “com orgulho”(sic), no debate da Rede Globo (28/09), que foi, até dois anos atrás, filiado ao PSDB e secretário de meio-ambiente de Geraldo Alckmim. Alguém poderá retrucar que a própria candidata é egressa do PT, bem como o respeitável sociólogo Luiz Eduardo Soares, um dos formuladores de seu programa. Bom, Soares, em que pesem seus méritos intelectuais, não parece ter peso real algum na política da candidatura. Mais importante é o acesso econômico da candidata, o economista Eduardo Gianetti da Fonseca, homem de formação ortodoxa (“neo-liberal”) com algumas pretensões filosóficas. No que tange à candidata, suas credenciais de esquerda são inegáveis. Porém, uma candidatura não é um atributo pessoal, mas uma construção coletiva. Do que vale a trajetória anterior de Marina se a maior parte de seu staff fez uma opção à direita? Opção essa que se reflete, diga-se de passagem, na posição dos grandes meios de comunicação frente à candidata. A mesma mídia que se empenha com todas as forças em destruir Dilma Rousseff, diante da fraqueza de Serra, tem optado por inflar Marina. Isso fica claro em um artigo, de cerca de duas semanas atrás, de Merval Pereira, conhecido porta-voz dos neocons midiáticos, que defendia abertamente o voto em Marina como estratégia para levar o pleito ao 2º turno. Levar Serra ao 2º. turno, bem entendido, pois Pereira e seus amigos sabem que a ex-senadora, por melhor que se saia, não tem fôlego para passar o tucano. A tática vem sendo posta em ação: basta atentar para as prestidigitações estatísticas do Datafolha e toda a conversa sobre a suposta “onda verde”. No já referido debate de ontem, o ex-tucano Feldman declarou: “minha candidata está levando essa eleição para o 2º. Turno”. Ninguém precisa ser muito matreiro para ver aí uma ação concertada. Assim, votar em Marina é, objetivamente, ajudar a combalida candidatura de José Serra. Mas, táticas eleitorais e ex-tucanos à parte, há algo mais que aproxima as duas candidaturas: sua base social. No início dessa reflexão mencionamos o perfil do eleitorado da candidatura verde. É público e notório que este é o mesmo perfil dos eleitores de Serra. Trata-se de uma fração da chamada “classe média” que anda cansada dos tucanos e dos petistas, mas não mudou, por isso, sua visão de mundo. Essas pessoas possuem opiniões liberais e elitistas, por parte dos ex-PSDB, e progressistas e humanistas por parte dos ex-PT. Ambos os grupos de descontentes partilham preocupações superficialmente ambientalistas (se trata mais de um tópico de retórica do que de militância efetiva para a grande maioria dos eleitorado de Marina) e apego à bandeira da ética na política. Eis o heterogêneo e confuso caldo de cultura política(?) do qual se nutrem Marina, Feldman, Gabeira e Sirkis. O mesmo, aliás, que sustenta Soninha Francine, candidata do PPS à prefeitura de São Paulo em 2008, sub-prefeita de Kassab e atual coordenadora da campanha eletrônica de Serra. Enfim, fica claro o que está por trás do verde. Seja no programa, nas alianças, na tática ou na composição social e ideológica de seu eleitorado, a candidatura da ex-petista Marina Silva não é, sob nenhum aspecto, uma candidatura “de esquerda” ou “alternativa. O que ela poderia ter nesse sentido é nebuloso e o que ela tem de conservador é bem concreto. Só resta lamentar que alguém com a trajetória política de Marina se preste à tingir de verde o neo-udenismo da classe média brasileira. `
Camila Rocha, André Kaysel e Beatriz Kaysel

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Bolsa Família, Liberalismo e Voto

O artigo “Dois Pesos” da psicanalista Maria Rita Kel, publicado em O Estado de S. Paulo (02/10/10), acabou tendo grande repercussão pela censura que a autora sofreu por parte da redação do jornal. O texto, muito bem escrito e agudo, diga-se de passagem, incomodou os Mesquita por colocar o dedo na ferida: o desprezo que as elites sentem pela opinião dos “de baixo”, sempre que esta não coincide com a sua.

Na realidade, o problema é bem mais profundo e vai muito além do debate sobre o programa bolsa-família ou a candidatura de Dilma Rousseff. Diz respeito à relação tensa e ambígua entre o ideário liberal, a democracia e uma de suas mais importantes instituições contemporâneas: o sufrágio universal.

Hoje nos acostumamos a associar automaticamente a idéia do primado da liberdade individual – típica do liberalismo – com a da democracia – governo do povo ou de seus representantes. Mas as coisas são muito mais intrincadas. Basta dizer, seguindo indicações de Domenico Losurdo em seu livro Democracia e Bonapartismo, que a maioria dos autores liberais da Europa no século XIX era contra o sufrágio universal. Quais as razões dessa oposição?

Se os liberais estavam, entre os séculos XVIII e XIX, empenhados em limitar os arbítrios das monarquias absolutistas em nome da liberdade individual, temiam o que denominavam como “a tirania da maioria”. “maioria”, no vocabulário da época significava, via de regra, os “pobres” ou “os trabalhadores”. Se a massa popular pudesse participar de fato da vida política, pensavam os liberais, ela iria oprimir os ricos, retirando-lhes a propriedade e nivelando tiranicamente a sociedade. É esse o fundamento, por exemplo, de toda a crítica que Edmund Burke, um liberal inglês, fez à Revolução Francesa em seu clássico Reflexões Sobre A Revolução em França.

Para fundamentar a exclusão das “maiorias” da esfera política, recorreu-se à distinção entre o ter um direito e o poder fruí-lo. Se todos eram iguais perante a lei, os únicos que poderiam fazer valer seus direitos na vida pública seriam aqueles que tinham independência material e, portanto, não estavam submetidos aos interesses e opiniões alheias. Essa diferenciação é que alicerçou a exclusão, não apenas daqueles que, não tendo propriedade, viviam de salário, como também das mulheres, subordinadas aos maridos. Desse modo a diferença entre direito e capacidade sancionou o homem proprietário como o cidadão par excelence. O “homem de bem”, tão recorrente nos discursos conservadores, é, portanto, “o homem de bens”.

Com o tempo e as lutas pela ampliação do sufrágio ficou mais difícil sustentar abertamente o critério censitário para atribuir o direito de voto. Passou-se, então, a evocar a educação ou a cultura como barreira excludente ou, ao menos, diferenciadora. John Stuart Mill, grande filósofo liberal e progressista, embora concedesse que o sufrágio deveria ser universal, sustentava, não obstante, que os mais educados deveriam ter mais votos que os menos educados.

Se hoje a proposta de Mill pareceria absurda – a não ser para alguns paulistas empedernidos – ela foi lei na Inglaterra. Até meados do século XX, os alunos e professores de Cambridge e Oxford tinham direito a dois votos nas eleições para o parlamento!

No Brasil, a legislação do Império, além de excluir mulheres e escravos, impunha critérios censitários para o voto. Estes, todavia, segundo o historiador José Murilo de Carvalho, eram mais frouxos do que os ingleses e franceses do mesmo período. Ainda no fim da Monarquia, a “Lei Saraiva”, cujo intuito era tornar as eleições mais idôneas, tornando os pleitos diretos, acabou diminuindo o número de votantes ao trocar a barreira de renda pela de alfabetização.

No decorrer da República, embora as mulheres e os jovens maiores de 18 anos tenham ganho, na década de 30, o direito ao voto, os analfabetos continuaram excluídos. Em 1960, quase metade dos brasileiros adultos eram analfabetos, especialmente entre os camponeses e trabalhadores rurais, os grandes excluídos da democratização de 1945. Não é a toa que, entre as chamadas “reformas de base”, defendidas pela esquerda durante o governo de João Goulart, estava justamente o direito ao voto dos analfabetos. Ao lado da reforma agrária, essa proposta chocava as elites da época e também motivou o golpe de 1964.

Mesmo aqueles que podiam ler e escrever e, portanto, podiam votar não estavam livres da desqualificação. Atribui-se ao brigadeiro Eduardo Gomes, candidato da UDN derrotado por Vargas em 1950, a frase segundo à qual os eleitores de seu adversário eram “marmiteiros”. Verdadeira ou não, a anedota ilustra bem o sentimento dos liberal-conservadores da UDN em relação ao eleitorado getulista: estes não passavam de “massa de manobra” comprada por Getúlio ou Goulart com aumentos de salário ou com a CLT. Qualquer semelhança com o discurso tucano contra os eleitores de Lula e Dilma não é mera coincidência.

A Constituição de 1988 foi a primeira no Brasil a, de fato, reconhecer o sufrágio universal. Na Europa, como se viu acima, o direito ao voto foi uma conquista popular, tanto do movimento operário, quanto das feministas. Nos EUA, embora vigente o sufrágio universal não é, segundo o professor de Harvard Alexander Keisar, um direito constitucional. Isso ajuda a entender como, em 2000, os republicanos da Flórida foram capazes de excluir eleitores negros das listas de votação, dando a vitória a George W. Busch.

Moral da história: só com a participação ativa dos “de baixos” seus interesses e aspirações poderão ser levado em conta e, assim, a democracia poderá ser aprofundada. O artigo de Maria Rita Kehl melindrou os Mesquitas por escancarar essa dura verdade, desferindo uma facada na jugular da reação que assola a imprensa brasileira.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Anti-republicanismo das elites paulistas

Ser democrático, ser liberal ou, eventualmente, até ser socialista, é algo que ainda significa algo para a maioria das pessoas que tem algum contato menos superficial com política. Mas ser republicano é algo que parece ter feito parte de um passado muito longínquo em terras distantes. Em nosso país, o republicanismo parece nunca ter feito do espaço mental dos paulistas das classes médias e altas, poderia até dizer das elites brasileiras como um todo, mas prefiro falar do que conheço melhor.

Para não me demorar muito, republicanismo está ligado a idéia de bem-comum, do bem de todos. Quem não tem dinheiro para pagar escolas particulares, planos de saúde privados, carros, etc., acaba participando, ainda que contra a vontade, da esfera do bem comum: frequenta as escolas públicas, os hospitais públicos, anda de ônibus e à pé pelas vias da cidade, enfim, faz uso dos equipamentos urbanos que são de uso comum e público, de modo que acaba de alguma forma valorizando, ainda que de forma incipiente, alguma modalidade de espaço ou equipamento que serve o bem comum. Já as classes abastadas vivem suas vidas completamente alienadas da realidade comum a todos, pois para essas pessoas tudo existe na esfera do privado, a escola dos filhos, a empresa em que trabalham, o carro que usam para se locomover, os shoppings com seus seguranças, praticamente tudo. Essas pessoas possuem uma dificuldade enorme em se colocar no lugar dos outros e em perceber a realidade de um ponto de vista republicano, ou seja, que a cidade e seus equipamentos devem privilegiar o bem comum de seus habitantes e não o bel prazer de uns e outros.

Dou alguns exemplos. Quem anda à pé em São Paulo sabe a dificuldade de...andar!!! Isso mesmo, é quase impossível andar pelas calçadas de São Paulo sem tropeçar, cair e se machucar, e não falo apenas pelas pessoas com deficiência, crianças pequenas ou idosos, falo por mim mesma, que nunca usei salto alto e tenho que prestar muita atenção quando ando à pé, atividade que deveria ser completamente automático para qualquer ser humano. As calçadas em São Paulo são privadas e não públicas, ou seja, se o morador ou comerciante decidem colocar degraus sem necessidade, fazer rampinhas para seus carros poderem sair com maior facilidade, colocar uns blocos gramados porque acham mais bonito, ou simplesmente deixar a calçada sem reforma por décadas...eles podem, não existe padronização nenhuma!! E quer coisa mais pública que calçada? Foi preciso que uma vereadora tetraplégica percebesse isso e colocasse em marcha uma reforma de algumas poucas calçadas de avenidas principais da cidade, afinal, muitos deficientes, sejam eles pobres ou ricos, não tem escolha, porque não podem dirigir, assim, alguns deficientes com grana eventualmente se sensibilizam para a realidade dos usuários de transporte público e pedestres e resolvem fazer alguma coisa. No entanto, infelizmente, se a pauta dos deficientes avançou na cidade, o bem comum, como sempre, ficou para trás, pois se agora temos alguns ônibus adaptados, a prefeitura não só não aumentou o número de ônibus, corredores de ônibus, etc.., como ainda por cima diminuiu o número de ônibus em circulação! Assim temos que, um setor da sociedade teve algumas de suas demandas atendidas, as pessoas com deficiência, enquanto a população como um todo que se beneficiaria de uma melhora no transporte público, não foi atendida, além disso, a prefeitura ainda não se responsabilizou por todas as calçadas, mas apenas por algumas poucas.

Falando em dirigir, outro bom exemplo é o tal do carro. A grande maioria dos paulistas quando entra no carro, sai de baixo, porque eles são os dono da rua e não importa o interesse de mais ninguém, pedestre, ônibus, bicicleta então...não é à toa que políticos que fazem mais viadutos, túneis e demais obras e fazem menos pelo transporte público tem voto garantido entre as elites, pois estas morrem de medo de precisar abdicar de seu carro eventualmente, ou fazer trajetos mais longos, ou, o apocalipse para estas elites, terem que pegar um transporte público que seja mais eficiente e se misturarem com outra pessoas sem que elas não possam comprar um pedaço do ônibus com ar-condicionado ou com bancos mais confortáveis só para elas.

A mesma história se repete com as escolas, hospitais públicos, etc..Se quem faz parte da elite não anda de ônibus e quase não anda à pé, que dirá ter algum contato, por menor que seja, com escolas e hospitais públicos? As elites não suportam a idéia de se “submeterem” ao bem comum, de não serem mais ou menos especiais porque possuem mais ou menos dinheiro, de ter o mesmo valor de qualquer outro habitante da cidade e de ter de ceder em relação às suas vontades individuais pelo bem de todos. Esse anti-republicanismo paulista reflete as escolhas eleitorais dos paulistas das classes médias e altas, e, infelizmente, até mesmo de pessoas que não fazem parte desses grupos mas acabam copiando seu comportamento e também concedem seu voto aos políticos que não fazem política pensando no bem-comum, mas sim em agradar esses setores da elite ou alguns setores específicos da população, como os deficientes, que podem se transformar em eleitores fiéis. E assim se faz o círculo vicioso.

Fazer política pensando no bem comum realmente não é fácil, afinal, os eleitores são beneficiados como um todo e não em suas demandas particulares, e aí, para muitos cidadãos, não ser beneficiado em suas demandas particulares significa não ser beneficiado em nada, ainda que as políticas que visam o bem comum atinjam a todos e melhorem a vida de todos. As elites, e aqueles que não fazem parte destas mas votam da mesma forma pois talvez aspirem um dia fazer parte para sair do “castigo dos serviços e equipamentos públicos” e gozar as maravilhas do mundo do interesse individual (e não os censuro por isso, afinal viver em São Paulo sem fazer parte das elites não é fácil), não conseguem perceber que se os policiais, os professores e os profissionais de saúde recebessem salários mais dignos, se o transporte público fosse melhor e mais barato, se as ruas e calçadas fossem padronizadas e bem cuidadas, se as praças, parques, bibliotecas e afins fossem valorizados, se aqueles que não possuem acesso à rede de esgotos, luz, coleta seletiva de lixo, e, porque não, internet, passassem a possuir este acesso da mesma forma que os demais habitantes da cidade, enfim, se a cidade como um todo melhorasse seus serviços e equipamentos urbanos, todos viveriam em uma cidade menos violenta, com menos trânsito, mais limpa e muito mais agradável de se viver, porque seria uma cidade mais republicana. Isso tudo é algo muito óbvio, claro e cristalino, mas a maioria dos paulistas prefere viver um apartheid anti-republicano dentro de sua própria cidade do que conceber que todos os cidadãos merecem ser tratados com respeito e dignidade.

Infelizmente, São Paulo tenta exportar para o resto do Brasil um modelo contrário de fazer política, um modelo anti-republicano no qual quem paga pode, quem não paga se dá mal e tem que se virar nos espaços públicos que não são de fato, de todos, mas funcionam quase como um castigo para aqueles que não podem pagar. Resta saber se os demais brasileiros aceitarão que esta política passe a vigorar com força no país inteiro ou não.


Camila Rocha

Projeto de Lei institucionaliza a exclusão em bairro nobre de São Paulo http://bit.ly/cuKyRp